Fundação Vingt-un Rosado entrevista cordelista cearense que publica adaptações literárias em cordel

          A Fundação Vingt-un Rosado tem a honra de entrevistar o cordelista cearense, o professor e doutor em Letras, Stélio Torquato Lima.

          Stélio nasceu em Fortaleza/CE e tem se destacado com produções poéticas de adaptações literárias em cordel.

          Ele tem conhecimento do trabalho de inúmeros cordelistas e não esquece de destacar na literatura de cordel, “O incrível Antonio Francisco“, como ele mesmo diz.

          O entrevistado, além de doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é professor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde coordena o grupo de Estudos Cordelistas Arievaldo Viana (GECAV). Seu estágio pós-doutoral, realizado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), desenvolveu-se em torno de uma pesquisa sobre a História do cordel no Ceará.

          Demais informações sobre o entrevistado: Stélio ministra oficinas e palestras sobre cordel, tendo já visitado mais de 100 escolas; publicou diversos artigos sobre cordel; publicou, em parceria com o poeta e pesquisador Arievaldo Viana, falecido em maio de 2020, o livro “Santaninha: um poeta popular na capital do império” (2017); é cordelista com várias obras premiadas; e, com quase 400 publicações em cordeis, publicou “E o vento levou em cordel“,” Cordel do Pequeno Príncipe“, “Anastácia, a santa escrava” e “Macunaíma em cordel“.

Fundação Vingt-un Rosado – Qual é a sua história na literatura de cordel?

Stélio Torquato – Vários autores já se aplicaram a traçar a trajetória do cordel. Sabe-se que já no século XV, na Alemanha, se produziam livros para o grande público com tamanho semelhante ao do nosso cordel e com capas xilogravadas, embora nem todos fossem em versos. No século XVII, ocorre o mesmo na Holanda. Na Inglaterra do século XVI, surgem os cocks ou catchpennies, e na França do início do século XVII, surge a littèrature de colportage, obras que muito se assemelhavam ao nosso cordel, inclusive no baixo preço visando a aquisição pela classe menos favorecida economicamente.

O cordel brasileiro, no entanto, é tributário da produção ibérica, principalmente de Portugal, onde os cordéis eram expostos em cordões para serem vendidos, o que levou aquelas obras a receberem o nome pelo qual são denominados até hoje. Todavia, boa parte das obras exibidas em cordões não eram em prosa. Algumas nem mesmo traziam histórias, como hoje é característico do cordel brasileiro.

De Portugal, vieram as primeiras obras nas mãos e/ou nas mentes dos nossos colonizadores. No Nordeste, por onde começou a colonização do Brasil, o cordel passou a ser modificado e, principalmente, normatizado. Estabeleceram-se os tipos de estrofes, o metro predominante, o tipo de rima, etc. Para tanto, a cantoria foi decisiva, cedendo tanto gêneros quanto fórmulas narrativas para o cordel.

Como cordel é poesia popular impressa, não se pode falar de cordel no Brasil antes de 1808, ano em que é estabelecida a tipografia no Brasil, a partir da vinda da família real para a então colônia portuguesa. E apesar de alguns pesquisadores defenderem a existência de um cordel oral e um cordel manuscrito anteriores a essa data, é 1865, até nova descoberta, a data reconhecida do mais antigo cordel brasileiro: uma obra anônima publicada em Recife com o título de chama-se Testamento que faz um macaco especificando suas gentilezas, gaitices, sagacidade, etc.

Entre os cordelistas mais antigas de que se tem notícia, destaca-se o nome do rabequeiro e poeta potiguar João Sant’anna de Maria, o Santaninha, que já publicava cordéis na década de 70 do séc. XIX. No entanto, só com o paraibano Leandro Gomes de Barros, que viveu entre 1865 e 1918 e foi o primeiro a sobreviver apenas dos cordéis que escrevia, o cordel conheceu uma nova realidade, definindo regras que são seguidas até hoje. Não é sem merecimento, assim, que Leandro veio a ser considerado o pai do cordel.

Fundação Vingt-un Rosado – Qualquer poeta pode ser cordelista ou tem que ter o dom?

Stélio Torquato – Esta é uma pergunta difícil de ser respondida. A ela se associa a seguinte questão: o que é um dom? Algo que Deus nos concede ou algo que a pessoa desenvolve através do esforço, da dedicação? Algumas atividades, como a de jogador de futebol, parecem requerer uma habilidade específica, que nem todos desenvolvem. Mas o mesmo se aplicaria à produção de textos literários? De uma maneira geral, qualquer pessoa pode aprender as técnicas de escrita de um cordel. Não obstante, levando-se em conta que cordel é um gênero poético, quanto maior for a sensibilidade do cordelista, mais profundo e belo tenderá a ser o cordel que ele produzirá. Sobretudo, aconselho aqueles que me consultam sobre a necessidade de o escritor de cordéis ser antes um leitor de cordéis, principalmente dos clássicos, tomados como referência de uma obra de qualidade estética. A leitura, estou convencido, se constitui na melhor forma de formar um espírito sensível e criativo.

Fundação Vingt-un Rosado – Qual influência você teve para se tornar um cordelista?

Stélio Torquato – A leitura de autores clássicos, como Leandro Gomes de Barros e João Martins de Athayde. E Patativa do Assaré, mesmo tendo se consagrado através da poesia matuta, que é um gênero distinto do cordel, também contribuiu com isso, pois sou leitor do bardo cearense desde a infância. Sobretudo, devo ao rádio a imersão no universo popular, uma vez que havia programas que eu ouvia na infância, como o Guajará no Varandão, que traziam sempre a recitação de obras populares.

Fundação Vingt-un Rosado – Na sua ótica, qual o papel do cordel na arte e na educação?

Stélio Torquato – O cordel pode (e deve) estar presente na sala de aula. Primeiro, porque apresenta ao aluno uma nova perspectiva de olhar para a realidade, que é o olhar a partir do povo. Isso inclui ter contato e valorizar uma forma de linguagem que, por muito tempo, a escola desprezou: aquela linguagem próxima da oralidade, com termos regionalistas e expressões populares deliciosas. Por outro lado, cordel é também um veículo de afirmação da identidade, pois valoriza a forma como os nordestinos vivem sua religiosidade, a culinária da região, nossos “heróis” (Lampião, o Padim Ciço, o Conselheiro, etc.), nos festas populares, nossas lendas e superstições, etc. Essas, no entanto, são apenas algumas das contribuições que o cordel pode trazer para a sala de aula, conjugando ludicidade, informação e crítica social em obras que devem ser valorizadas por nossos alunos.

Fundação Vingt-un Rosado – Tem cordelista que vive desta arte. Realmente dá para viver como cordelista?

Stélio Torquato – A pergunta pode se estender a todo escritor: é possível viver da escrita em um país que lê tão pouco? Em geral, nossos poetas populares vivem em dificuldades financeiras, ainda mais acentuada com a pandemia, que cancelou Bienais e Feiras de Livros, nas quais os poetas fazem chegar sua obra ao público. Os editais que envolvem as obras populares também rarearam. Muitos cordelistas, para sobreviverem, desenvolvem atividades relacionadas com sua arte, como a ministração de oficinas. Alguns poucos, tornam-se também editores, como é o caso do poeta Rouxinol do Rinaré, que passou a imprimir livros. Outros, como é o caso do poeta Jesus Sindeaux, vendem obras populares em lugares fixos.

Fundação Vingt-un Rosado – Quem você destaca na literatura de cordel na atualidade?

Stélio Torquato – É muito difícil dar uma resposta justa, pois estamos sempre limitados, desconhecendo a obra de grandes autores, muitos deles produzindo em lugares afastados das capitais. Preciso fazer essa ressalva para deixar claro que minha resposta é provisória e muito subjetiva. Mas, eis minha lista: no Ceará, destaco os nomes do já citado Rouxinol do Rinaré, Evaristo Silva, Klévisson Viana, Paiva Neves e a cratense Josenir Lacerda. No Rio Grande do Norte, o do incrível Antônio Francisco. Em Sergipe, a cordelista Izabel Nascimento. No Piauí, destaco os nomes do Joaquim Mendes (Joames), Raimundo Clementino e Josefina Ferreira Gomes. Na Paraíba, o do veterano José Costa Leite. Na Bahia, os nomes do Bule-Bule, Antônio Barreto e José Walter Pires. Em São Paulo, o dos poetas migrantes Marco Haurélio (nascido na Bahia) e Pedro Monteiro (filho da Bahia). No Rio, o do cearense Gonçalo Ferreira, presidente da ABLC. Mas a lista é extensa, merecendo ser acrescida de muitos nomes incríveis.

Fundação Vingt-un Rosado – Seus trabalhos são bastante didáticos e apresentam diversas adaptações de obras literárias na sua poesia de cordel. Existe um motivo especial? Como se dá sua produção?

Stélio Torquato – Iniciei-me no cordel de forma casual. Há 13 anos, procurava uma forma de fazer meus alunos amarem, e não só respeitarem, os grandes clássicos da literatura universal. Produzi então 15 cordéis, que traziam um resumo de clássicos como Dom Quixote, O corcunda de Notre-Dame e Madame Bovary. Meu plano deu muito certo, pois os alunos, a partir da leitura desses cordéis (ainda na forma de xerocópias), passaram a ler as obras originais. Uma amiga soube desse meu experimento, e me aconselhou a publicar pelo menos um dos cordéis. Foi então que, por obra e graça do amigo Gustavo Luz, da Queima-Bucha, publiquei o Dom Quixote. Daí não parei mais, estando já próximo dos 400 cordéis publicados. Nessa perspectiva, acredito que o didatismo que muitos destacam nos meus cordéis esteja diretamente ligado ao fato de eu ser, antes de um poeta cordelista, um professor. E como Literatura é minha área de ensino, não surpreende que boa parte da minha produção seja de adaptações de obras literárias para o cordel.

Fundação Vingt-un Rosado – Na imensidão de suas produções, tem algum cordel em especial? 

Stélio Torquato – Acredito que ocorre comigo o mesmo que se dá com outros autores: a dificuldade de eleger uma obra preferida entre as que vim a produzir. É, de fato, como indicar o preferido entre nossos filhos. De toda forma, para não ficar sem resposta, destaco o primeiro cordel publicado, o Dom Quixote, que é meu herói literário favorito. Também tenho um carinho todo especial pelo Pastorzinho de nuves (meu primeiro cordel publicado em forma de livro), minha adaptação de O velho e o mar (uma história que me emociona sempre) e …E o vento levou em cordel (obra com mais de sete mil versos que adapta o meu filme favorito).

Fundação Vingt-un Rosado – Num país que pouco valoriza a cultura, trabalhar como agente cultural é um ato de resistência?

Stélio Torquato – Sempre. Aliás, resistir é um verbo que conjugo diariamente tanto como educador como escritor. Como educador, porque assistimos a um crescimento do obscurantismo, da mentira e da insurreição contra a ciência. Como escritor, porque ainda precisamos trabalhar muito para formar novos leitores em um cenário hedonista em que o esforço requerido pela leitura parece estar em franco ataque. A arte, para além de tudo isso, sempre teve como base a resistência, principalmente porque nega a lógica capitalista que confere ao lucro a primazia, mesmo que isso se oponha aos valores humanitários. E é importante sempre lembrar que os fascistas, mesmo que caricatos, odeiam quem produz arte.

Fundação Vingt-un Rosado – Como se faz para adquirir seus trabalhos e quais os valores dos cordéis? Nos informe para que o público conheça a beleza e a didática de suas poesias…

Stélio Torquato – Podem ser adquiridos diretamente comigo, através do meu e-mail ([email protected]) ou pelo meu WhatsApp (85-98770.2056). Os livros são baratinhos, para que todos possam adquirir. Quase todos variam entre três e quatro reais.

          Para finalizar a entrevista, Stélio Torquato aproveita para fazer um convite aos internautas: “Gostaria, junto com meus agradecimentos por este espaço, de também convidar os leitores a visitarem minhas redes sociais, nas quais sempre estou publicando alguma coisa da minha produção poética“.

Os endereços virtuais são:

 

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www.youtube/StélioTorquatoLima

www.twitter.com/StelioTorquato

 

A entrevista foi concedida ao colaborador da Fundação Vingt-un Rosado, Eriberto Monteiro, que foi aluno do professor Stélio Torquato, na Faculdade de Letras e Artes pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).